ADONIS CARVALHOCOLABORAMORES

Boa Conversa

Durante toda a minha adolescência me acomodei com bastante folga na caixa em que estava inscrita a classificação “Cuidado, Frágil: Timidez Crônica”. Era observado de maneira preocupada e afetuosa pelos familiares mais próximos; dava pra ver na cara deles o desejo de me ajudar a me abrir pro mundo, mas eles não sabiam direito o que falar ou fazer. Eu fingia que estava tudo bem, mas no fundo realmente precisava de auxílio.

O que eu aprendi sobre essa fase da minha trajetória é que timidez é só mais uma faceta do medo. Eu não era tão incomunicável assim. Na verdade, tinha monólogos longuíssimos que se formavam e paravam na minha cabeça. Não os articulava por puro medo do julgamento dos outros ou, talvez pior ainda, pelo pavor de constatar minha insignificância. Tinha convicção de que quando percebessem o teor dos assuntos que eu queria colocar em pauta, seria jogado no limbo dos esquisitíssimos e amargaria as dores da exclusão social durante toda minha existência.

Na época da faculdade conheci uma grande amiga, hoje irmã, que um dia me falou na lata: “Olha só, eu falo muito de mim e adoro que você ouça com bastante atenção, mas por que você não fala das suas coisas? As pessoas também querem te ouvir!”. Essa conversa talvez tenha sido trivial para a minha amiga, mas pra mim foi gatilho que eu precisava para começar a desenvolver minhas ideias sobre o mundo, aprimorando-as a partir do compartilhamento com as pessoas à minha volta. Sem exageros, isso basicamente salvou minha vida.

É por isso que eu dou tamanha importância a uma BOA CONVERSA. Cada um pode ter sua própria definição sobre o que é uma boa conversa, mas pra mim 3 princípios simples a definem:

  • Todos falam, todos escutam

Quando estou numa roda de pessoas e apenas uma delas fala (geralmente bem mais alto que as outras), dou um jeito de fingir que vou ao banheiro para partir pra bem longe. Pra mim, numa boa conversa não há palco e plateia. Monólogos não transformam ninguém.

  • Ideias diferentes circulam livremente

Da minha época de adolescente recluso ainda mantenho viva a lembrança do pânico de expressar uma ideia, digamos, não convencional, e receber do outro uma expressão de espanto ou reprovação, como se eu fosse louco ou fosse pro inferno. Pensava, por exemplo, na maluquice que é experimentarmos o mundo através dos sentidos e uma vez resolvi tentar me abrir com um colega falando algo como às vezes desconfiar do que meus olhos veem como real. A reação na cara gritava que, sim, eu precisava de tratamento.

Por esse e por diversos outros casos que aconteceram comigo, mantenho o lema: “tudo é permitido”. São poucos os assuntos que realmente me espantam, talvez por isso as pessoas em geral se sintam confortáveis em conversar comigo. Uma conversa edificante pra mim necessariamente passa por esse lugar de expressão genuína, sem censura.

  • Respeito e empatia

É claro que, para criar um ambiente harmônico de troca de ideias diferentes, há que haver respeito entre as partes. Opiniões diversas existem para que vejamos nossas próprias ideias de outros ângulos, testando sua aplicação em contextos diferentes do conforto da nossa bolha. Além disso, se pararmos para analisar a causa raiz de todas as ideias diferentes, identificaremos as questões fundamentais da humanidade: o desejo de ser feliz e o medo de sofrer.

Eu particularmente gosto bastante quando converso sobre veganismo e ouço as crenças de quem ainda não está tão convencido assim de que esse é o melhor caminho individual para revertermos o massacre que a espécie humana está inflingindo ao meio ambiente. Em todos os casos, mesmo que tenha continuado convicto da minha crença pessoal, ouvir respeitosamente meu interlocutor e jamais alimentei o desejo de o converter.

Aliás, eu procuro fugir de diálogos onde existe a intenção de doutrinação ou onde as falas sejam forçadamente direcionadas à concordância geral pelo mero desejo de agradar. O lema vale especialmente no contexto atual em que as redes sociais viraram verdadeiras arenas sangrentas onde o desejo de sair com o argumento vencedor é maior do que a vontade de promover a evolução conjunta.

Pessoas estão acima de ideias.

Boas conversas são poderosas ferramentas de transformação individual e coletiva. O simples ato de ouvir alguém atentamente e evitar proferir julgamentos cortantes pode salvar uma vida. Nesses tempos velozes e incertos em que vivemos, oferecer os ouvidos e o coração a um indivíduo que seja é um ato de resistência pacífica de amor à humanidade.

Sempre que souberem de alguma roda de conversa em que estes 3 pilares sejam defendidos, me chamem que eu vou voando! Se tiver café fresquinho, então…:-).

Adonis Carvalho

Escrevo uns rabiscos desde que me lancei na aventura de procurar me entender neste mundo, prática que me fez sobreviver aos intervalos tediosos das aulas de Cálculo na Faculdade de Engenharia. Vi toda minha vida se transformar desde que decidi dar o primeiro tímido passo rumo a uma dieta alimentar saudável. Meu interesse pela culinária natural é uma reação aos sustos que tomava quando passei a ler com atenção os rótulos dos ultra processados multicoloridos dos supermercados. Acredito na força e na beleza da vida e amo profunda e verdadeiramente este planeta Terra.

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